Atuação da CNBB reflete compromisso com doutrina social
20/08/2012
PESQUISA | ESPECIALISTAS ANALISAM ESTUDO DA USP QUE RELACIONA FÉ E POLÍTICA
Deniele Simõesdeniele.jornal@editorasantuario.com.br
Especialistas em política, sociologia e religião, consultados pelo JS, tiveram acesso a um estudo que analisou a atuação da Igreja Católica no cenário político brasileiro entre 1952 e 1964.
O material,
elaborado pelo pesquisador Christian Jecov Schallenmueller, da
Universidade de São Paulo (USP), foi baseado em documentos do primeiro e
segundo encontros de bispos do Nordeste da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB). Para Schallenmueller, o período analisado foi o
de maior apelo político da Igreja brasileira, pois hoje o engajamento
social nas fileiras do clero não seria o mesmo.
Diego Omar
da Silveira é um historiador que pesquisa particularmente a Igreja
Católica no Brasil. Ele concorda que a Igreja ocupou um papel de
proeminência no cenário político e social naquela época. “Tanto a
presença da hierarquia quanto a articulação de importantes intelectuais
católicos deram à Igreja um papel de liderança, que a colocava em lugar
de destaque ao lado do Estado na definição dos rumos da nação.” Essa
posição transformou-a em catalisadora, por meio da palavra dos bispos e
das lideranças católicas, de grande parte dos anseios populares.
O padre
Antonio Abreu, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades),
organismo vinculado à CNBB, lembra que o período foi de notável atuação
de bispos, padres e leigos católicos em prol de políticas públicas e
reformas sociais.
A pressão
política exercida pela Igreja e pelos movimentos sociais ligados a ela
na década de 1950 teve frutos que permaneceram, na opinião do religioso.
Apesar de o golpe de 1964 ter bloqueado muito do movimento que havia,
grande parte das lideranças católicas voltaram-se contra os abusos
cometidos na ditadura. “A temática desloca-se da proposta de políticas
públicas e reformas para a defesa dos direitos humanos, em nome e por
fidelidade ao Evangelho”, recorda.
O
representante do Ibrades diz que, no auge da ditadura, vários bispos e
padres, antes ingenuamente conservadores, “convertem-se” e tomam a
defesa do povo mais pobre e dos direitos humanos, contra a violência
política que mantinha a desigualdade social e negava a cidadania.
Não silenciou
Padre
Antonio Abreu cita a retomada das iniciativas sociais e a busca da CNBB
pela formação dos fiéis para atuação no campo político. “Não por acaso
nosso Ibrades foi fundado em 1968”, indica.
O
historiador Diego Silveira não concorda com um silenciamento da Igreja
após o golpe militar, até porque a sociedade acreditava que o país teria
um breve retorno à democracia. “Essa parecia ser uma aposta da CNBB,
que, tão logo viu frustrada essa expectativa, passou a criticar bastante
as opções dos governos militares”, analisa.
Diante
disso, houve muitos enfrentamentos, alguns deles públicos, outros mais
velados. Por isso, nem os militares conseguiram calar a Igreja nem a
CNBB se calou.
Prova maior
são os documentos emitidos pelos bispos no regime ditadorial, bem como o
acolhimento que a Igreja deu a muitas organizações clandestinas, na
época. Silveira ainda cita a mobilização de bispos de prestígio, como
dom Helder Câmara, que conferiram crédito às denúncias contra as
arbitrariedades cometidas, como prisões, torturas e mortes.
Muito do
posicionamento em favor dos direitos humanos esteve apoiado nas ideias
do Concílio Vaticano II, que trouxe um diálogo maior com o mundo
contemporâneo, em conformidade com a missão da própria Igreja.
Nesse
sentido, Silveira reforça que a Igreja pós-conciliar no Brasil foi muito
ativa e empreendeu uma renovação positiva, abrindo-se aos movimentos
leigos e à participação popular. “Não apenas nos anos 1950, mas também
nas duas ou três décadas que se sucedem”, completa.
O membro
fundador e atual secretário da coordenação nacional da Comissão Pastoral
da Terra (CPT), Antônio Canuto, avalia que o engajamento político e
social da Igreja nunca foi tão forte, firme e claro como nas décadas de
1970, 1980 e em boa parte dos anos 1990.
Canuto
destaca a participação decisiva para estímulo à criação de muitos dos
sindicatos de trabalhadores rurais e movimentos, como dos trabalhadores
sem-terra, dos atingidos por barragens, dos pequenos agricultores e das
mulheres camponesas, entre outros.
Reforma agrária
Um ponto da
pesquisa que surpreende bastante é a reforma agrária. No estudo, a
Igreja é apontada como uma das principais defensoras e uma grande força
política na luta pela desapropriação de terras para esse fim.
Antonio
Canuto cita a produção de vários documentos nessa direção, na década de
1950, além de manifestações episcopais no Rio Grande do Norte, Amazonas,
Aracaju, entre outros estados. Em 1954, a II Assembleia Geral da CNBB
tratou da necessidade da reforma agrária no país.
A partir da
década de 1970, a Igreja passou a pronunciar-se muito mais firmemente em
relação à questão e, em 1980, a Assembleia da CNBB aprovou, quase
unanimemente, o documento Igreja e Problemas da Terra,
referência até hoje. Apesar de toda a pressão, Canuto não vê mudanças na
estrutura agrária do país, nem no acesso de um número expressivo de
famílias à terra, em função da atuação da Igreja.
Para
Silveira, a reforma agrária é uma das questões que continuam emperradas
na agenda nacional, até mesmo nos governos considerados de esquerda.
“Por isso, os desafios continuam imensos, embora o caminho que a CNBB
percorreu também tenha sido bastante significativo.”
Especial: A CNBB e os anos 50
15/08/2012
Deniele Simões
Na segunda
entrevista que deu origem à reportagem especial sobre a atuação política
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos anos 50, você
confere o depoimento do membro fundador e atual secretário da
coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Antônio
Canuto.
A matéria
será publicada na edição do próximo dia 19 de agosto e foi motivada por
uma pesquisa acadêmico de Christian Jecov Schallenmueller, da
Universidade de São Paulo (USP), que analisou o tema.
Jornal Santuário – Um
dos pontos mais surpreendentes da pesquisa está na questão da reforma
agrária. De acordo com o pesquisador, a Igreja foi uma das principais
defensoras e uma grande força política na luta pela reforma no Brasil. A
Igreja usou como explicação, inclusive, o fato de que terras que não
tinham função social deveriam ser retidas pelo Estado e utilizadas para a
reforma agrária. Que avanços ocorreram no campo da reforma agrária, a
partir dessa luta, e no que ainda é preciso avançar, no que diz respeito
à questão?
Antônio Canuto -
A questão da reforma agrária realmente foi assumida pela Igreja. Na
década de 1950 foram produzidos vários documentos, como a Carta Pastoral
de Dom Inocêncio Engelke, bispo de Campanha (MG), que se intitulava Conosco, sem nós ou contra nós se fará a Reforma Rural.
Houve manifestações dos bispos do Rio Grande do Norte, em 1951, em 52,
Declaração dos Bispos do Amazonas, sobre a Igreja e a Amazônia, dos
bispos do Vale do São Francisco, em Aracaju. A Segunda Assembleia Geral
da CNBB, em 1954, tratou da necessidade de se fazer reforma agrária no
Brasil. Também os bispos do Nordeste, em 1956, analisaram a situação do
homem do campo, e o que provocava o crescente êxodo rural. Outros
documentos também foram elaborados. Ao lado da preocupação dos bispos
com a realidade sofrida do homem e da mulher do campo, havia a
preocupação com a possibilidade do avanço do comunismo, que dada a
situação em que viviam as famílias, encontraria terreno fértil para sua
pregação. O apelo dos bispos se dirigia ao governo, mas também aos
proprietários rurais para que facilitassem o acesso a terra às famílias.
Não consta,
porém, que tenha havido alguma mudança na estrutura agrária do país, nem
que um número expressivo de famílias tenha tido acesso à terra, por
conta desta ação da Igreja.
JS – Se,
por um lado, a Igreja pressionou a classe política em favor do povo
mais pobre entre 1952 e 1964, a partir do golpe militar as vozes do
clero passaram a ecoar bem menos. É possível dizer que os militares
calaram a Igreja naquela época?
Canuto -
Não me consta que isso tenha acontecido. Num primeiro momento houve uma
ala expressiva da Igreja que apoiou o golpe militar. Mas poucos anos, a
Igreja era uma das poucas vozes que se ouviam na crítica aos governos
militares. É exatamente após 64, mais especificamente a partir da
década de 1970 que a Igreja se pronunciou muito mais firmemente em
relação a esta realidade e à necessidade da reforma agrária. A Carta
Pastoral de Dom Pedro Casaldáliga, por ocasião de sua ordenação, Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social, precedeu Y Juca Pirama, o índio Aquele que deve morrer,
assinado por bispos e missionários junto aos povos indígenas, sobre a
realidade dos índios que tinham suas terras invadidas, o Ouvi os Clamores do Meu Povo, dos bispos do Nordeste, e Marginalização de um Povo – O Grito das Igrejas,
dos bispos do Centro Oeste, foram documentos de denúncia clara da
realidade de espoliação e opressão que viviam as comunidades camponesas.
A palavra dos bispos já não se dirigia aos proprietários, mas mais
diretamente às vitimas desta realidade, os índios, posseiros, meeiros,
arrendatários e outros trabalhadores do campo. E a perspectiva da Igreja
era a de que o trabalhador deveria se tornar o protagonista de sua
história e de sua libertação. Em 1975, um encontro dos bispos e
prelados da Amazônia, após análise da realidade decidiu criar uma
pastoral que “interligasse, dinamizasse e assessorasse a igreja a Igreja
no seu trabalho junto aos trabalhadores do campo.” Em 1980, a
Assembleia da CNBB aprovou quase unanimemente o documento Igreja e Problemas da Terra, que se tornou referência até hoje.
JS – No
mesmo estudo, o pesquisador Christian Schallenmueller coloca que no
posicionamento da Igreja hoje não existe um engajamento comparável ao da
época quanto às questões sociais. No que diz respeito à luta pela terra
isso também se aplica?
Canuto -
Não sei como foi construída esta pesquisa. Mas nunca o engajamento
político e social da Igreja foi tão forte, firme e claro do que no
período de 1970/80 e boa parte de 90, como se pode observar pela série
de documentos produzidos àquela época. Nos últimos anos é que se viu um
refluxo da Igreja em relação às questões sociais. Mas os últimos
documentos da CNBB mostram que a igreja continua atenta e se posiciona
em relação aos problemas vividos pelos povos indígenas, pela realidade
das mudanças climáticas, e em relação ao povo do campo em geral. Em
2010, a CNBB aprovou um documento de estudos sobre a Questão Agrária no Século XXI,
que é o documento de estudos n° 99. Agora, em 2012, criou um grupo de
trabalho para preparar um novo documento sobre a realidade do campo a
ser apresentado para aprovação, possivelmente à próxima Assembleia dos
Bispos.
JS -
Qual tem sido o peso dos movimentos sociais e do laicato na luta pela
justa distribuição da terra no país e também pela reforma agrária?
Canuto -
Na década de 1970, muitos dos sindicatos de trabalhadores rurais, país
afora, foram criados e estimulados pela igreja. Já na década de 1980 e
90 o surgimento de movimentos sociais expressivos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das Mulheres Camponesas
(MMC) e outros nasceram em decorrência da ação da Igreja, de modo
especial da Comissão Pastoral da Terra. Estes movimentos ainda exigem a
reforma agrária e a Igreja apóia suas reivindicações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
BEM VINDO IRMÃO E IRMÃ, DEIXE AQUI SEU COMENTÁRIO